Era um fim de tarde de inverno. Ouviam-se gritos. Eles corriam de um lado para o outro, numa certa urgência, não se sabia bem de quê. Uma espécie de medo contaminava o ar. O medo é frio. Imobiliza-te. Congela-te. Bloqueia-te. Ela gritava cada vez mais alto. Eu ouvia os seus gritos ecoarem pelos corredores. Eram uma espécie de cântico do demónio. Temi que estivesses amaldiçoado. Temi a tua vida. A tua chegada. Vejo-o ao fundo do corredor. Os seus pés enterram-se no chão, como quem não quer avançar. O mensageiro teme a sua missão. Mas tem de ser cumprida. “Um dos dois, não vai sobreviver.” Diz ele. “Ou ele, ou ela. O senhor tem de escolher.” Não se pede a um homem que escolha entre uma vida e outra. Não se pede a um pai que escolha entre um filho e uma mulher. Não se pede a uma mãe que escolha entre a sua vida e a do seu filho. Não se pode escolher. E assim, ele não escolheu. Fechou os olhos e entregou a escolha ao destino, ao acaso. És filho do acaso. És filho do destino. Ela parou de gritar. Fez-se um silêncio. A boca dele estava aberta. Não emitia qualquer som. Os meus olhos fixavam o fundo do corredor, ansiando uma espécie de névoa, uma espécie de fantasma ou de messias. O silêncio parte-se ao meio e do centro brota um choro. Um choro de mulher. O choro confunde-se com um choro de menino. Como um coro em uníssono, choravam os dois, encantados com o nascimento dos ambos. Ela renascia abrindo as pernas para uma vida que agora nascia. E sem escolhas, destinos, acasos ou maldiçoes, assim nasceste tu, fruto do medo, da incerteza, da dúvida e no próprio limite da tua morte.