30/04/2011

PAIXÃO EM SI



Apaixonei-me por ti. Não me apaixonei por ti, apaixonei-me pela imagem que tenho de ti. Apaixonei-me por ti. Não me apaixonei por ti, apaixonei-me pela vontade de me apaixonar por ti. Apaixonei-me por ti. Não me apaixonei por ti, apaixonei-me pelo desejo de me apaixonar. Apaixonei-me por ti. Não me apaixonei por ti, apaixonei-me pela paixão em si. Apaixonei-me por ti. Não me apaixonei por ti, apaixonei-me pelo sonho em mim. Apaixonei-me por ti. Não me apaixonei por ti.

24/04/2011

NÃO ESCREVO PALAVRAS



Não escrevo palavras. As palavras não se escrevem. Se as palavras fossem escritas, teriam algum significado. As palavra seriam espelhos emotivos de meteorologias do coração. As palavras estariam embriagadas, porém não adormecidas, em estradas que nunca se entortam. Não quero escrever palavras. Quero constipar-me no calor da emoção embriagada sem significado. Quero perder-me nessa estrada desperta que nunca termina Quero viver. Não quero escrever palavras. As palavras escritas não são sentidas, são apenas escritas.

22/04/2011

NADA É POR ACASO ENTÃO É PORQUÊ?





Nada é por acaso, então é porquê? Os olhares cruzam-se. As palavras tocam-se. Restos de vidas passadas, em memórias que talvez se recordem sem sabermos. Nada é por acaso, então é porquê? Por acaso sei a cor do teu cheiro, e o toque do teu olhar. Não me perguntes como o sei, apenas sei. Por acaso existe uma linha que seguro deste lado e sinto a extremidade oposta na tua mão. Por acaso, as borboletas na barriga despertaram na primavera e começam a voar até me sairem pela boca. Por acaso, não sei nada de ti mas a tua energia toca-me na ponta dos dedos. Por acaso, não estás aqui, e eu não estou aí. Mas por acaso, os olhares cruzam-se, e as palavras saem na ansia de te tocarem. Nada é por acaso, então é porquê?

04/02/2011

FILHO DO ACASO


Era um fim de tarde de inverno. Ouviam-se gritos. Eles corriam de um lado para o outro, numa certa urgência, não se sabia bem de quê. Uma espécie de medo contaminava o ar. O medo é frio. Imobiliza-te. Congela-te. Bloqueia-te. Ela gritava cada vez mais alto. Eu ouvia os seus gritos ecoarem pelos corredores. Eram uma espécie de cântico do demónio. Temi que estivesses amaldiçoado. Temi a tua vida. A tua chegada. Vejo-o ao fundo do corredor. Os seus pés enterram-se no chão, como quem não quer avançar. O mensageiro teme a sua missão. Mas tem de ser cumprida. “Um dos dois, não vai sobreviver.” Diz ele. “Ou ele, ou ela. O senhor tem de escolher.” Não se pede a um homem que escolha entre uma vida e outra. Não se pede a um pai que escolha entre um filho e uma mulher. Não se pede a uma mãe que escolha entre a sua vida e a do seu filho. Não se pode escolher. E assim, ele não escolheu. Fechou os olhos e entregou a escolha ao destino, ao acaso. És filho do acaso. És filho do destino. Ela parou de gritar. Fez-se um silêncio. A boca dele estava aberta. Não emitia qualquer som. Os meus olhos fixavam o fundo do corredor, ansiando uma espécie de névoa, uma espécie de fantasma ou de messias. O silêncio parte-se ao meio e do centro brota um choro. Um choro de mulher. O choro confunde-se com um choro de menino. Como um coro em uníssono, choravam os dois, encantados com o nascimento dos ambos. Ela renascia abrindo as pernas para uma vida que agora nascia. E sem escolhas, destinos, acasos ou maldiçoes, assim nasceste tu, fruto do medo, da incerteza, da dúvida e no próprio limite da tua morte.

10/01/2011

PALAVRAS PARA QUÊ, QUANDO TEMOS GESTOS?


A mão percorre o caminho até à boca. Desenha um movimento lento que termina na força pressionada nuns lábios mudos. Engulo a línguagem numa garganta seca, empurrada por dois dedos. Os dedos abrem-se. A mão estica-se na força de um pulso alongado no ar. São dedos cansados que acreditam resistir à espera do encaixe duns ossos revestidos. Os dedos adormecem, inclinando-se sobre eles mesmos num movimento recolhido. O gesto de esperar adormece num silêncio cansativo de desistência. A mão morta percorre uma última vez o caminho até à boca. O tempo ficou sem gestos. E essa boca, ainda que entreaberta, secou o vento de sílabas sem sentido, de uns lábios gretados de tanto esperar um simples gesto.

11/12/2010

PETER E A PALAVRA SEM NOME


Se a solidão existisse, não teria um nome. O nome seria pronunciado sem palavras, num silêncio de um vazio profundo. Uma palavra que não reconhece a sua existência, é mastigada sem expressão. A não-expressão é engolida em seco. Arranha. Da garganta, surge um vómito sem sabor. Os olhos petrificaram focando uma espécie de um nada insconsciente. A lâmpada fundiu no último segundo. Dentro do eco, as letras derretem-se, originando coisa nenhuma. O ponteiro desse relógio, parece partido, mas permanece à espera, que as letras ganhem sabor, que uma lágrima caia e que essa palavra se defina. Nesse dia, o ponteiro poderá deixar de arranhar a garganta, e espetar-se mesmo no meio da palavra, para assistir à sua morte. Nesse dia, a solidão não terá um nome, pois terá morrido.

24/10/2010

PETER E A CERTEZA ILUSÓRIA DA PALAVRA


A certeza dessa palavra é incerta até na sua pronunciação. O ponteiro dos segundos move-se, alterando e provocando a terra debaixo dos meus pés. A terra treme. O verbo é conjugado apressadamente. O presente transforma-se em passado a cada segundo. Como posso eu pronunciar essa palavra, sabendo que o seu significado é o oposto de si mesmo? Fecho os olhos. Caminho. Viver é respirar incertamente de olhos fechados. Cada passo é igualmente aventureiro e assustador. Rasgo a palavra. Assassino o dicionário matando a ilusão de palavras que não existem, ou que apenas respiram um segundo. A certeza dessa palavra é a crença da sua própria ilusão. Tenho a certeza apenas de um em um segundo, tudo o resto é incerto.

13/10/2010

PETER, O CHEIO E O VAZIO




Do vazio faz-se cheio e o cheio é importante esvaziar. Vomita-se o cérebro todo, um acumulado de anos irreflectidos. Vomita-se, para se atingir o nada. O vazio relaxante duma metamorfose embrionária. As asas ganham volume. O abrir das asas pronuncia o verbo receber. O caminho é pequeno, mas do vazio se torna como que cheio. E o cheio não cede espaço ao receber. Nesse movimento de asas, vomita-se um pouco. Recebe-se mais. Volta-se a vomitar. Volta-se a receber. E do vazio já não se faz cheio, que a metomorfose endureceu as asas. Mas do cheio faz-se sempre um vazio, quando a necessidade de respirar assim o pede.

12/10/2010

PETER CAIU DO ARMÁRIO




Essa parede branca, onde outrora enroscaste cuidadosamente o parafuso para pendurar esse armário novo, no qual as tuas mãos entuasiasmadas colocavam pratos cristalinos que habitavam uma prateleira direita, tentam agora segurar uma porta enferrujada sem equilibrio. Vês o armário vazio tentar segurar-se nesse velho parafuso, onde um cheiro a podre substitui os velhos moradores. Os pratos, deixaste-os cair, apodrecer e não conheceram substitutos. A prateleira entortou e ainda que segures essa porta enferrujada, sabes que pouco te resta daquilo que não cuidaste, que não amaste, além da sombra do que podia ter sido. Hoje essa parede suja, sustenta esse armário velho, vazio, podre que te recorda tudo aquilo que desperdiçaste e tomaste como garantido.

22/08/2010

PETER E A MINHA PELE




Vazio. Oco. Uma pele insuflável. O corpo, desenha mapas, linhas riscadas, cruzadas, emaranhadas nelas mesmas. O vazio necessita o preenchimento, como o corpo necessita a sua pele. Numa dessas linhas, rasgo os mapas e planos traçados. Entendo o improviso vital como uma ordem que parece preencher o futuro. No improviso o corpo veste-se. Não existem listas que me garantam a minha continuidade. Existe apenas a respiração. Existe o aqui e o agora. E nesse momento crucial, o corpo veste a pele e deita-se na minha cama. Não tenho a certeza do improviso, mas o improviso é improvisado a cada novo minuto desse mapa, agora incógnito, à espera de linhas rectas ou cruzadas, porém, não emaranhadas. Preencho o vazio e encaixo-me na minha pele. Hoje, entro dentro de mim.